O Simpósio de Jackson Hole não ganhou importância na política monetária internacional à toa: Ben Bernanke usou o evento para anunciar medidas de apoio do Federal Reserve (Fed) logo após a crise financeira de 2008 e também foi lá o anúncio da meta assimétrica de inflação que passou a ser perseguida pelo banco central norte-americano, em 2020. Por isso, os investidores em todo o mundo aguardam ansiosos pela participação de Jerome Powell nesta sexta-feira (22).
Às 11h (de Brasília), Powell deve fazer o que quase certamente será seu último discurso principal no conclave anual do Fed, que está sendo marcado por um dos períodos mais tumultuados de sua história.
O que está em jogo é o sentimento de curto prazo em relação aos mercados financeiros, a trajetória de longo prazo da política monetária do Fed e uma dose considerável de esforço para preservar vestígios de independência em um momento em que a instituição, normalmente sagrada, enfrenta enorme pressão da Casa Branca.
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Cenário 1: a cutucada em Trump
Como fez durante grande parte de seu primeiro mandato, Donald Trump tem pressionado Powell para que reduza os juros, mantidos na faixa entre 4,25% e 4,50% ao ano. Mas, nos últimos dias, os ataques do presidente ao Fed foram além da política monetária.
A Casa Branca criticou Powell duramente por um grande projeto de reforma da sede do Fed em Washington, D.C — o que coincidiu com um período em que Trump cogitou demitir Powell do comando do banco central norte-americano, embora posteriormente tenha recuado da ideia.
O desdobramento mais recente ocorreu nesta semana, quando o governo voltou seu foco para a governadora do Fed, Lisa Cook, acusando-a de fraude hipotecária em relação a dois empréstimos com garantia federal que ela tomou.
Em meio às controvérsias, Powell poderia usar o discurso para, pelo menos, criticar as distrações políticas, mesmo que se apegue à prática anterior de não mirar diretamente.
“Ele pode dar uma cutucada e falar sobre a independência do Fed, porque o que ele realmente tem a perder neste momento?”, questionou Dan North, economista sênior da Allianz Trade North America.
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Cenário 2: a preparação para o corte de juros
Os investidores esperam que Powell prepare o mercado para um corte de juros em setembro. Desde 2018, cada um de seus discursos em Jackson Hole indicou mudanças políticas significativas: da pressão por cortes trimestrais no primeiro discurso a uma mudança crucial na forma como o Fed enxergaria a inflação em 2020 até a indicação do ano passado de uma medida agressiva em setembro.
David Mericle, economista do Goldman Sachs, não espera que Powell sinalize decisivamente um corte em setembro, mas o discurso deve deixar claro para os mercados que ele apoiará uma redução da taxa no encontro do próximo mês.
“Suspeitamos que a maioria dos membros do Fomc [o comitê de política monetária do Fed] que expressaram sentimentos mistos sobre o corte em setembro estará disposta a apoiar uma redução da taxa se Powell insistir. Mas achamos que será mais razoável para ele apresentar esse argumento mais perto da reunião, com mais dados em mãos”, disse Mericle.
A ata da reunião de julho, divulgada na última quarta-feira (20) indicou que a maioria dos membros do Fomc vê uma preocupação maior com a inflação — os presidentes regionais do Fed de Cleveland, de Atlanta e de Kansas City expressaram ceticismo quanto à necessidade de um corte de juros em setembro.
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Cenário 3: Mudanças nas metas
Powell usou seu discurso em Jackson Hole em 2020 para apresentar mudanças na estrutura de política monetária do Fomc: o banco central norte-americano deixaria de perseguir uma inflação cravada em 2% ao ano e passaria a adotar uma meta assimétrica para os preços, tolerando uma taxa levemente acima ou abaixo desse patamar.
Os ajustes feitos em 2020, no auge da pandemia, refletiram os riscos assimétricos percebidos para o duplo mandato do Fed — pleno emprego e inflação em 2%. Mas o ambiente macroeconômico se mostrou radicalmente diferente. A inflação ultrapassou os 2% em março de 2021 e não voltou para a meta desde então, enquanto a taxa de desemprego caiu para menos de 4% no final do mesmo ano.
Cinco anos depois, a próxima revisão da estrutura de política monetária está se aproximando da conclusão. “Esperamos que Powell recapitule como a economia e o cenário político evoluíram ao longo de sua gestão como presidente do Fed e o que as lições aprendidas significam para a estratégia ideal de política monetária nos próximos anos”, disseram Sarah House e Michael Pugliese, economistas do Wells Fargo.
Grande parte dos últimos anos foi marcada pelo enfrentamento de mercados de trabalho superaquecidos e inflação acima da meta. Hoje, os riscos em torno da meta de inflação de 2% do Fed e do mandato de pleno emprego parecem muito mais simétricos. “Suspeitamos que as mudanças na estrutura da política monetária visarão a essa simetria recém-descoberta no mandato duplo”, afirma a dupla de economistas.
“Da mesma forma, esperamos que o Fomc se afaste da ênfase em lidar com as deficiências em relação ao emprego máximo e volte a se concentrar em desvios. A meta de emprego máximo do Fed não é diretamente observável, mas se revela por meio do impulso do mercado de trabalho sobre a inflação. Assim, a nova estrutura pode vincular a meta de emprego máximo mais diretamente à meta de inflação”, acrescentam.
Mas uma coisa é unânime entre os especialistas: se o discurso desta sexta-feira (22) em Jackson Hole, Wyoming, for parecido com os primeiros sete anos de Powell no cargo, ele apresentará uma aparência calma e serena, mesmo que mascare o peso que ele e seus colegas têm sofrido durante todo o ano.
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